sexta-feira, 24 de abril de 2009

O CONCERTO DE JOÃO GILBERTO NO RIO DE JANEIRO

REFERÊNCIAS CRÍTICAS SOBRE SERGIO SANT’ANNA

O texto “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro” foi publicado no livro homônimo, de 1982. Com ele, Sergio Sant’Anna venceu o Prêmio Jabuti pela primeira vez – o que faria em mais duas ocasiões (1984 e 1997).

Embora seu momento de mais intensa produção esteja circunscrito aos anos 80, quando publicou sete livros, em 2003 o autor foi premiado com o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira.

Escritores, dublês de escritores, críticos são constantes personagens nas obras de Sergio Sant’Anna. Como propõe o autor, num de seus mais diletos paradoxos, “se um cara é escritor e quer escrever sobre sua realidade, esta realidade estará impregnada do fato de ele ser escritor”.

Lembro que dois textos de Sergio Sant’Anna foram adaptados para o cinema. O primeiro, A senhorita Simpson, romance de 1989, que se transformou no filme Bossa nova, por Bruno Barreto, em 2000 – curiosamente com a participação da dublê de escritora Fernanda Young. O segundo, é Crime delicado, dirigido por Beto Brant.


Nas palavras de seu narrador, o conto “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro” tem por objetivo um texto “que discuta a linguagem, num tom oscilando entre o ruído e o silêncio”. Bastante fragmentário, usando e abusando dos cortes entre os diversos fragmentos, o texto tenta simular um delta para o qual confluem múltiplas linguagens: literatura, teatro (“entrar no espaço branco da página é também como entrar em cena”; “eu sempre gostei de escrever minhas históris como se elas se passassem num palco”), cinema (o corte como procedimento unificador da narrativa), performance e, como já prescrevia Verlaine, “antes de tudo, a música”.


De fato, é a música de João Gilberto e sua passagem meteórica pelo Rio de Janeiro para um concerto que se pretende lendário que funcionarão como eixos de sustentação e de justificação do próprio texto. Saturada de referências tanto às vanguardas como à cultura pop da segunda metade do século XX (Macunaíma, Antunes Filho, John Cage, Robert Wilson, Edward Hopper, Beatles, Bob Dylan etc) e contaminada por certo narcisismo pós-desbunde, no processo de ratificar o mito do músico baiano (JG, que assim reduzido às iniciais nos remete de pronto a outros mitos também reduzidos a burocráticas iniciais – como JK ou JFK) a narrativa acaba por mistificar o próprio autor, como se no contínuo jogo de espelhos a que ele submete o ato de narrar terminasse por perder o foco.


Embora o "grande final" possa ser interpretado como paródia da estratégia do “pão e circo” (“rumo aos elevadores do estádio, JG vai pedindo licença, passando entre os espectadores da arquibancada”) com que é planificada a cultura de massas, é impossível deixar de notar nele uma solução narrativa fácil, verdadeiramente arbitrária.



Uma última informação importante, de natureza editorial. O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro foi publicado dentro da “Coleção de autores brasileiros”, da Editora Ática, nos anos 80. Esta coleção objetivava levar a um público mais amplo os novos autores da literatura brasileira; para tanto, serviam-se não apenas de tiragens altas como também de uma programação visual bastante pop, em sintonia com as demandas mercadológicas de sua época (primeira metade dos anos 80). Portanto, além de tentar ampliar o alcance da literatura brasileira contemporânea, a coleção serviu simultaneamente como fonte de renda e veículo de exposição de mídia para os novos autores brasileiros. Pela “Coleção de autores brasileiros” foram publicadas obras dos “novos” – como Silviano Santiago, Sergio Sant’Anna, Roberto Drummond, Luiz Vilela, Antonio Torres e Oswaldo França Júnior – e também de autores já consagrados, como Murilo Rubião, Dyonélio Machado, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector e Manoel Lobato.


Como se não bastasse a recente premiação internacional por conta de O vôo da madrugada, é importante ressaltar a recepção crítica que seus textos continuam tendo, mesmo passado o período mais fértil de sua produção. Em seus textos encontramos representadas (ou “encenadas”, como ele certamente preferirá) certas características da subjetividade pós-moderna que indiscutivelmente o fazem um de seus precursores em matéria de escrita. Abaixo seguem links para ensaios que lidam com diversos aspectos da obra de Sergio Sant’Anna.


1. LIMA, Lindomar Cavalcanti. “Sergio Sant’Anna: o realismo erótico” (2007)
http://www.uems.br/cellms/documentos/32%20-%20SERGIO.pdf

2. PORTO, Ana Paula Teixeira. “A literatura e o discurso crítico” (2009)
http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num6/ass05/pag01.html

3. CUNHA, João Manuel dos Santos. “A realidade como simulacro em Sergio Sant’Anna” (2008)
http://www.ufpel.edu.br/cic/2008/cd/pages/pdf/LA/LA_00094.pdf

4. BONATO, Liane. “Sergio Sant’Anna e o conto brasileiro contemporâneo” (2003)
http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista34/art15.pdf

Um comentário:

  1. Ótima resenha!!! Considero Sérgio Sant'Anna o maior escritor de todos os tempos. Amo as situações insólitas que descreve, suas ambiguidades, sua prosa elegante, de forte teor poético, seus personagens, quase sempre marginais, amo a malha metafísica de que são tecidos seus pensamentos mais profundos, bem como amo suas tiradas à la existencialismo tardio. O Voo da Madrugada, para mim, é uma obra-prima, com pitadas que vão de Machado a Dostoiévski. Lançou recentemente Páginas sem Glória, onde há um conto chamado O Milagre de Jesus, o que mostra que ele continua em forma. Enfim, salve Sérgio!

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